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Carolina*, 23 anos, mais de 20 marcas de facadas espalhadas pelo corpo.

Solange*, 35 anos, 40% do corpo queimado e teve o rosto desfigurado após espancamento.

Essas duas mulheres, além de sobreviventes, têm em comum o fato de terem voltado para seus companheiros, mesmo após sofrerem violências e tentativas de assassinato. Agora estão abrigadas na “Casa Abrigo para Mulheres em Situação de Violência”, mantida pela ONG Ilê Mulher e Prefeitura de Canoas. “Ele falava que era meu dono, que eu era propriedade dele. E eu voltava porque achava que ele ia mudar”, relembra Carolina. Já Solange relata uma vida amorosa sempre associada a casos de violência. Em uma das vezes teve o corpo queimado e ficou internada por três meses para se recuperar. “No último relacionamento fiquei oito meses morando junto e já na primeira semana já recebi agressão, com barra de ferro, chute, soco, ameaçada de morte”, nos conta e meio a lágrimas. A boa notícia é que elas não vivem mais com seus agressores e estão participando de cursos de capacitação profissional, buscando independência financeira.  

Essa pesquisa foi destaque no Jornal do Almoço da RBSTV, confria a reportagem AQUI. 

Mulheres com histórico semelhante ao de Carolina e Solange fizeram parte de uma pesquisa realizada pelo Mestrado em Saúde e Desenvolvimento Humano da Universidade La Salle, que entrevistou 152 mulheres que sofreram violência e receberam abrigo na “Casa Abrigo para Mulheres em Situação de Violência”. O estudo “Variáveis Relacionadas à Retomada do Relacionamento em Mulheres Vítimas de Violência Doméstica”, de autoria da psicóloga e mestranda Josane Bairros de Souza, constatou que 40% dessas vítimas retornou para o agressor. “Percebemos na nossa busca na literatura algumas pesquisas revelam alta prevalência de transtornos mentais associados a violência doméstica. No Brasil existe uma carência de estudos sobre o efeito da violência para saúde mental das mulheres vítimas de violência doméstica”, explica. O estudo concluiu que, diferente do que dizem algumas pesquisas e da crença popular, a maioria das mulheres que volta para os companheiros após sofrer violência doméstica – mesmo tendo como opção ficar abrigada na Casa Abrigo – não tem transtornos mentais. “Então vimos que em nossa amostra de conveniência em Canoas não encontramos um grau de psicopatologia nessas mulheres que justifique a priori esse comportamento de retorno”, explica Josane. Fatores como dependência financeira e falta de apoio familiar podem ser predominantes nesses casos: “A maioria das mulheres vítimas de violência eram oficialmente casadas o que inclui aqui uma variável importante, que seria o tempo de convívio. E dentro do mesmo cenário, quanto maior o número de filhos maior é a chance de a mulher voltar ao agressor. E por fim, algo que chamou muito a atenção em nossa pesquisa foi que um fator de risco para o retorno ao agressor era quando a família de origem da mulher sabe o que está acontecendo e não a apoia. Ou seja, seus familiares próximos saberem e nada fazerem ou até criticarem ela”, detalha o coordenador do PPG em Saúde e Desenvolvimento Humano, e orientador da pesquisa, Prof. Dr. Rafael Zanin.

 

Fatores de proteção para o não retorno

Também foram avaliadas as condições que geram mais segurança nas vítimas, impedindo o retorno ao agressor. “Todas as mulheres que não voltaram ao agressor tinham duas características muito importantes e simultâneas: registraram ocorrência e tinham um trabalho formal com carteira assinada ou bolsa governamental que garantisse a sobrevivência delas no mínimo por um bom tempo”, explica Rafael. O terceiro fato comum a esse perfil de vítima é a escolaridade, quando maior o grau mais raro o retorno.

 

Pesquisa na prática

Josane, autora da pesquisa, é também psicóloga e trabalha na Casa Abrigo em Canoas. Ela acredita que os resultados da pesquisa podem ser importantes para nortear o rumo dos tratamentos e apoios que são ofertados à essas vítimas:  “Além de tudo o que já é feito essa pesquisa mostra que um foco impreterível de apoio para que essas mulheres vítimas de violência não voltem ao seu agressor são aspectos muito práticos e de caráter social. Ou seja, renda garantida através de emprego (apoio social) que dê a ela uma estabilidade com vistas a cuidar melhor de seus filhos sem depender ou achar que depende materialmente do ex-companheiro”. Dessa forma, completa Josane, além da maria da Penha, Casas Abrigo, apoio psicológico em geral, é necessário a garantia de renda para que as chances de não retorno aumentem em muito.

*nomes fictícios para preservar as vítimas. 

 

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