Menu

“Preciso ser um outro

para ser eu mesmo

Sou grão de rocha

Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem insecto

Sou areia sustentando

o sexo das árvores

Existo onde me desconheço

aguardando pelo meu passado

ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro

no mundo por que luto nasço”.

O título dos versos de Mia Couto, presente no livro “Raiz de orvalho e outros poemas” (1999), diz muito sobre a próxima exposição da Galeria La Salle e sobre seu artista. “Identidade” é o nome da poesia, mas também a razão de ser do trabalho de Sandro Henrique Silveira, para quem o escritor moçambicano “trabalha as palavras de uma forma única. Fico impressionado com as pessoas que dominam o que fazem”. No caso de Silveira, o fazer mescla desenho, papel, arquitetura e autodescobrimento, como o público verá a partir do dia 19 de fevereiro em “Identidades: uma geometria da memória”.

Cerca de 17 obras passarão a ocupar o caminho cultural do Unilasalle-RJ e, em todas elas, rostos se apresentam ao visitante. As faces parecem convidar ao questionamento do que seria a identidade de cada um. Afinal, Silveira adianta: há uma repetição, a técnica com o lápis nas mãos pode ser a mesma para criá-las, o formato pode ser o mesmo, mas, ao mesmo tempo, “os rostos são completamente diferentes”, como cada um é único. “Estamos falando de pessoas, o que é uma crítica de vários artistas do século XIX e, principalmente, do século XX, em relação a era da máquina. O próprio Andy Warhol (um dos expoentes da Pop Art), usava a serigrafia para repetir os rostos de personalidades, como uma máquina faria, mas sem todos serem idênticos, exatamente para criticar o consumismo”, lembra.      

A ideia de abordar a identidade, tema que já o cativa há 18 anos, surgiu no agreste do Maranhão, mais especificamente a 200 km da capital, São Luís. Impressionado com os rostos expressivos de crianças fotografadas por ele naquela região, Sandro Silveira decidiu desenhá-las. Depois viriam muitas outras faces, algumas tomadas pelo tom do carvão das minas, outras pelas cores, uma delas pela serragem da marcenaria do pai que, junto de tinta, traz textura. Para todas as obras, o mesmo suporte: papel kraft, “muito simpático” ao artista. “Converso bem com o papel, utilizo de uma estética da corrente italiana chamada arte povera, um tipo de trabalho mais simplificado, com materiais e objetos do cotidiano, sem muita preocupação com acabamentos”, explica.

Se o papel é uma constante, o mesmo pode-se dizer da geometria. Arquiteto de formação, Silveira confessa que há muito das disciplinas que ministra no Unilasalle-RJ em seus trabalhos – ele é professor dos cursos de Engenharia. A começar pela ideia de que as peças nunca estão soltas, há sempre uma composição. Depois, por lidar com as linhas e, ainda, pela palavra “construção” ter muito mais sentido em seu dia a dia. “Pensando assim, não me considero um artista visual”, assevera, “Sou um artista gráfico”. Não à toa o fato de admirar Picasso, um dos pais do cubismo, movimento artístico que tem as figuras geométricas como palavra de ordem. “São gestos sem muita preocupação e, ao mesmo tempo, muitos desenhos que ele fazia são de uma simplicidade e força grandes. Mas em termos da geometria tem uma diferença, porque o meu lado arquiteto me faz ser ainda amarrado na organização, às vezes eu queria ser mais solto”, afirma, referindo-se à característica de Picasso brincar com as formas, distorcendo suas figuras.

A autocrítica, no entanto, é seguida pela constatação de que os 17 anos (de 1996 a 2013) trabalhando na equipe técnica do Museu de Arte Contemporânea influenciaram neste lado mais sistematizado de arquiteto. Lá ele lidou com montagens de exposições, manutenção predial e catalogação. A maior obra da mostra, inclusive, começou a ser produzida em um plantão no MAC, em 2012. Com 11 metros de extensão e traços de diversas identidades, o trabalho ainda está por terminar, o que Silveira deve concretizar este ano. O fato de o desenho não estar acabado permitirá intervenções durante a exposição. Para “Identidades: uma geometria da memória”, ele ainda prepara outras surpresas, como a revisão de um trabalho de 2000 intitulado “Pacato Cidadão”.

Quando a coragem vem das crianças

Apesar do frio na barriga característico de qualquer inauguração, esta não é a estreia de Sandro Silveira na Galeria de Arte La Salle. Em setembro de 2017, ele apresentava os resultados de projeto desenvolvido com a turma de 2º período da Escola La Salle Rio de Janeiro. A proposta, na ocasião, era desenvolver interpretações de sua obra “Quase tudo, quase nada”, na qual os rostos aparecem em quatro fases, diminuindo de altura e largura até surgir uma única imagem composta por inúmeras ilustrações em 3x4. As crianças de 4 e 5 anos desenvolveram painéis contendo desenhos em giz pastel e tinta acrílica.

Questionado sobre o resultado daquele projeto, Silveira constata: “Foram as crianças que me deram coragem para montar esta individual. Elas nos deram aula”. No experimento, o artista pôde constatar que os pequenos não ficavam limitados aos contornos, extravasando a linha dos rostos e criando cores únicas a partir de diversas misturas. O fazer sem medo de errar é o desafio para o artista Sandro Henrique Silveira. “Acabamos nos cerceando tanto, nos enquadrando em tantos lugares para podermos ser aceitos, que perdemos nossa identidade própria. Por isso, se tenho uma expectativa em relação à mostra é ouvir ‘É um desenho infantil’, porque remonta a minha infância, as minhas memórias, trabalho de uma maneira visceral, como uma criança faz, no chão. Que as pessoas percebam esta criança que quer tanto sair de mim, já que de outras maneiras é difícil”, atesta.

Introspectivo, mas em busca de “ser eu mesmo”, sem máscaras, “existindo onde se desconhece”, como nos versos de Mia Couto. Esse é Silveira, o próximo nome a encher de identidades a Galeria até 14 de março.  

EVENTO

Exposição “Identidades: uma geometria da memória”

Inauguração DIA 19/02, SEGUNDA-FEIRA, ÀS 18H

Permanência

Quando: De 19/02 a 14/03. Segunda a sexta-feira, das 9h às 21h

Onde: Galeria La Salle — Unilasalle-RJ — Rua Gastão Gonçalves, 79, Santa Rosa

 

Por Luiza Gould (Texto e fotos)

Ascom Unilasalle-RJ

Entre em Contato