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Jorge Amado fez dela a fazenda perfeita para ornar sua faceira personagem de Ilhéus, a baiana que enfeitiçou o árabe Nacib: “Estava contente com o que possuía, os vestidos de chita, as chinelas, os brincos, o broche, uma pulseira. Dos sapatos não gostava, apertavam-lhe os pés”. Da literatura ela passa para a televisão, na “Gabriela” eternizada por Sônia Braga. E, uma vez ganhando as casas dos brasileiros, estava aberta a paixão nacional pela chita. O tecido, com diferentes nuances em sua trajetória, de estigmatizado a ícone da moda, desperta verdadeira paixão em Aline Costa Miguel. A designer, de 37 anos, une a trama de fios à mulher negra em um trabalho que passa a encher de cores e vida a Galeria La Salle a partir do dia 5 de abril. A proposta da exposição “Sobrepele” é misturar arte com muita originalidade ao longo de um corredor cultural contendo painéis, telas, tiras do material a pender do teto, além de outras cartas na manga para o máximo de interação proporcionada aos visitantes.

Em sua primeira individual, a carioca promete muita descontração para prestigiar alguns de nossos bens mais ricos: a cultura popular e a origem negra. Nos dois casos, a influência veio de fora para aqui se transformar e virar marca de um povo. E não é que a relação é antiga? “Apesar de ter sido importado primeiramente da Índia, com um tipo de desenho completamente diferente do que conhecemos hoje, a chita começa a ser produzida pelos escravos e, por isso, é estigmatizada naquela época”, explica Aline. O tecido, no entanto, tem para artista a peculiaridade de “passear por diferentes camadas sociais” ao longo da história, mesmo caso do listrado, que “já foi roupa dos presidiários, loucos e hoje está na blogueira mais famosa”. Aline cita ainda a Tropicália e os jovens usando chita para chamar atenção, lembra a popularização com “Gabriela, Cravo e Canela” e cita também Zuzu Angel. A estilista colocou nos anos 1970 a chita nas vitrines de Ipanema, levando a alta sociedade às compras. “Para mim é um fenômeno cultural, é a cara do Brasil”, sintetiza.

 

Aline Miguel fala com a propriedade de quem estuda a chita em mestrado de Design na UERJ e se especializou em estamparia. Bem antes, no entanto, ao entrar no campo das Artes Plásticas, ela já usava este tipo de tecido, misturada a poá, ou em roupas encomendadas para si. Em suas atuais obras, a “beleza” da chita, classificada por ela, vira pano de fundo para pinceladas de faces expressivas. “Mulheres negras sempre me chamaram a atenção por serem lindas, esculturas vivas, há nelas um gingado, um sorriso no rosto, uma maneira de levar a vida cativantes”, pontua a designer, “Desde quando comecei a desenhar, eu fazia retratos. Acredito que o olhar é realmente a janela da alma, representa verdade. Estas mulheres transbordam um colorido de viver que se traduz, visualmente, ao meu ver, nos florais da estamparia de chita”.

Enredando tecido, olhos, nariz, boca e contornos, surgem três diferentes processos de criação, presentes em “Sobrepele”. Em um primeiro momento, Aline dispõe a chita na “lona”, a tela aberta, ainda sem molduras, e usa a tinta acrílica por cima. Na segunda vertente, ela faz uma colagem de novos pedaços do tecido sobre a camada inicial de chita, mesclando ainda bordados, rendas, flores de pano. A textura é diferenciada, gerando um efeito em 3D de camada sobre camada. O terceiro tipo de criação envolve o desenvolvimento de estampas próprias, desenhadas pela artista, para a mesma matéria-prima. Desta seara, saem cerca de sete quadros e três grandes painéis estampados na madeira para serem expostos na Galeria.

“Quero desdobrar esses temas, portanto, não ficaremos só nisso. Haverá uma cortina com várias tiras de chita para o espectador passar, brincar com o pano. Também teremos círculos com o tecido original da chita, florais de cortiça percorrendo a exposição, além de uma surpresa que estou planejando para deixar todos os cariocas se sentirem em casa”, enumera Aline, misteriosa. Uma coisa é certa: não faltarão cores no caminho cultural do Unilasalle-RJ. “É uma explosão que caracteriza tanto a chita quanto a alegria dessas mulheres, apesar de toda a luta delas. Não poderia ser algo neutro ou distante da supersaturação. A minha arte é uma homenagem a elas. Vamos espalhar o amor!”, completa.

Aline Costa Miguel começou a fazer curso de desenho aos 7 anos, migrando depois para a pintura a óleo, pastel seco e grafite. Teve como professores, entre outros, o artista plástico Sansão Pereira (1919-2014) e Jack Jack Endewelt, professor da School of Visual Arts, de Nova York e o ilustrador Renato Alarcão. Na área do design de textil, desenvolveu  estampas para marcas de moda como “Cantão”, “Farm” e “Maria Filó”. Para Angelina Accetta, coordenadora do Núcleo de Arte e Cultura, sediar o primeiro voo solo de Aline em termos de mostra enriquece o espaço e a história da Galeria. “A mulher negra pintada em tinta acrílica sobre tela laminada de chitão cria um tecido-pele vibrante em cores e formas, tecendo a expressão original desta figura feminina em sua força genuína, frente à luta decorrente da desigualdade social no cotidiano brasileiro”, finaliza Angelina. 

EVENTO

Exposição “Sobrepele

Inauguração DIA 05/04, QUARTA-FEIRA, ÀS 20H

Permanência: De 05/04 a 02/05. Segunda a sexta-feira, das 9h às 21h

Onde: Galeria La Salle — Unilasalle-RJ — Rua Gastão Gonçalves, 79, Santa Rosa

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