São Paulo, 1979 - Ainda sob a ditadura civil-militar, uma faixa pedindo a anistia ampla e irrestrita a exilados é estendida no clássico entre Corinthians e Santos.
Rio de Janeiro, 1984 - Na partida entre Flamengo e Santos, o placar eletrônico do Maracanã faz coro às ruas e pede Diretas Já.
Montpellier, França, 2019 - Eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo, Marta se iguala ao alemão Klose como maior artilheira de Copas do Mundo e, na comemoração, aponta para o símbolo de equidade de gênero na chuteira.
Abril de 2020 - Jogadores do mundo todo erguem faixas e punhos na entrada dos gramados e comemorações de gol, em alusão ao movimento internacional anti-racista “Black Lives Matter”, que ganhou força global após a morte de George Floyd nos Estados Unidos.
Estes são apenas alguns das centenas de exemplos que poderiam ser dados para ilustrar a relação umbilical entre esporte e política, e como o primeiro é atravessado pela segunda. Reflexo da sociedade, o esporte e, em especial, o futebol - o mais popular de todos - reproduz as desigualdades e preconceitos. Por isso, debatê-los e abordá-los não é tema apenas para o Direito, para a Pedagogia ou para as Ciências Humanas, mas também para a Educação Física - afinal, se o racismo está em todos os lugares, todos os lugares devem ser de combate ao racismo.
E foi esta a proposta da palestra “História do futebol e racismo estrutural no esporte”, que aconteceu na noite desta quarta-feira (23) e foi ministrada pelo ex-árbitro Márcio Chagas da Silva, vítima do crime quando apitava e também quando atuou como comentarista. Responsável pelo convite, a acadêmica Thais Nataly da Silva, de quem Marcio Chagas foi professor de Educação Física na rede municipal de Esteio, começou o evento ressaltando a importância da representatividade, ao mesmo tempo em que este significado só é sentido em função de um país onde pessoas negras lutam para se enxergarem em posições sociais mais bem conceituadas, como o magistério, por exemplo.
A estudante foi seguida em seu relato por Márcio, que contou ter sido o único negro em uma turma de mais de 60 formandos em Educação Física. E de lá pra cá, a sociedade avançou pouco, na avaliação dele. Ingressante na arbitragem no fim dos anos 90, Márcio vê o futebol sob dois vieses: reprodução de uma sociedade que subjuga e discrimina negros e negras e, ao mesmo tempo, um meio poderoso para a reflexão e a luta por igualdade, devido o apelo e à visibilidade que tem, que vai muito além dos 90 minutos de cada partida, mas mobiliza multidões quase que ininterruptamente através, principalmente, dos veículos de comunicação.
Para Márcio, o esporte mais popular do mundo “traz uma perspectiva de criticidade muito grande”, já que o lugar majoritariamente ocupado por pessoas negras - nos gramados - é o de força física, em um paralelo com o mercado de trabalho como um todo, onde a população negra ocupa postos mais braçais enquanto a parte intelectual é ocupada por pessoas brancas: “Os negros que compõem sua grande maioria nesta modalidade são protagonistas dentro de campo, numa perspectiva de serem comandados. Quando saem das quatro linhas, ficam invisibilizados. São raros os treinadores negros, raríssimos os dirigentes negros. Isso não pode ser uma naturalização. Como que uma parte da população serve para ser comandada mas não serve para ser comandante?”, questionou.
E diante de futuros professores, defendeu que combater o racismo é um dever pedagógico: “Um assunto que poderia ter tido um avanço muito maior na nossa sociedade se a gente realmente tivesse ações e políticas efetivas. Temos a obrigação, como educadores, de trazer esta temática para o nosso dia a dia com os nossos alunos. Negar o racismo é uma das maiores covardias que tem.”