Entre livros de fundo, uma parede desenhada e um gatinho indo e vindo em frente à câmera, Carlos Ruas conta sobre sua trajetória profissional. O cenário da videochamada traz algumas dicas sobre o que é mais importante para o cartunista convidado para a ComicConRS, que ocorrerá em setembro deste ano na Unilasalle. Em poucas palavras, ele define o que move o seu dia a dia: “A minha arte representa a minha existência. O que eu vou deixar, quando eu for? A minha arte”.

“Tem um filósofo que fala que você morre três vezes. A primeira é o seu corpo, você morreu. A segunda vez é quando as pessoas que viveram com você morrem. E a terceira vez que você morre é quando ninguém mais lembra de você. É quando você passa para a total inexistência. Eu acho que a minha arte fica, ainda que eu vá. Eu sou passageiro, eu vou embora. Por isso a minha arte é a minha existência nesse planeta”, complementa Ruas.

Para ele, o ambiente escolar sempre representou dificuldades, pois não se identificava com as metodologias de ensino aplicadas. Em suas palavras, ele sempre foi um péssimo aluno e não tinha muitos amigos. “Desde criança eu desenhava, pixava as carteiras escolares de uma ponta a outra. Eu também fazia histórias em quadrinhos dos professores, esse era o meu auge na sala de aula, era um momento em que toda a turma se juntava para ler as histórias que eu fazia”, relembra.

“Aristóteles falava que você precisa se encontrar no cosmo para você se sentir bem, se sentir pleno com a vida. O universo é como se fosse um relógio, onde tudo se encaixa. E você é uma peça também. Assim como o vento, venta, e exerce muito bem a função de ventar, o mar mareia e exerce muito bem a sua função de ser mar. E você? Quando você encontra uma coisa que você ama, que te dá prazer, é quando você se encaixa. Eu me encontrei em harmonia com esse relógio cósmico quando eu descobri os meus quadrinhos.”

Hoje em dia, Carlos Ruas aproveita a visibilidade que ganhou na internet para gerar curiosidade em filósofos e questões complexas da humanidade. Ele explica: “Depois de alguns anos após ter saído da escola que eu fui descobrindo o prazer que existe em aprender. Hoje eu tento fazer muitas tirinhas didáticas, colocando Darwin, Einstein, Nietzsche, porque quero tentar despertar o interesse dos jovens que estão na escola hoje. Eu não quero explicar a matéria inteira, mas quero despertar as faíscas do amanhã.”


Precursor no mundo digital

Formado em desenho industrial, o designer gráfico começou sua carreira trabalhando em uma agência de publicidade, criando conceitos artísticos e peças gráficas para clientes terceiros. No início dos anos 2000, quando a internet ainda engatinhava e não era uma realidade difundida como hoje, o mercado artístico na internet era quase inexistente. A insegurança fez com que o autor não acreditasse que pudesse se destacar nesse meio e se sustentar através de suas tirinhas.

“Quando eu comecei a querer fazer tirinha, eu não tinha um milhão de referências como se tem hoje. Logo, você não tinha muito estímulo. Eu conhecia Maurício de Souza, Ziraldo, Chiclete com Banana dos anos 80, Angeli, Laerte, dava pra contar no dedo quem trabalhava com quadrinhos. E eu pensava, bom, por que eu seria um deles em um país com 200 milhões de pessoas?”, conta.

Em determinado momento, no final de 2009, a paixão pela arte falou mais alto e ele, ao sentir falta de produzir para si mesmo, desenvolveu as primeiras 10 tirinhas de Um Sábado Qualquer. Não recebeu nenhum retorno das revistas que entrou em contato. Foi aí que se deu conta: os blogs poderiam ser o veículo de comunicação que estava procurando. Em dois anos, seu investimento de tempo já havia dado resultado e o seu blog recebia 45 mil acessos diários.

Treze anos depois, com o boom das redes sociais surgiram, Ruas enfatiza que é importante para o mundo artístico estar um pouquinho em cada uma delas, mas principalmente o Instagram, que agora já faz parte desse mercado consolidado.

Conselhos para os mais jovens

Muitas pessoas acreditam que o artista e o empresário são extremos, na medida em que um combate o outro. Carlos Ruas defende o contrário, já que é necessário saber se vender para viver de arte no Brasil, ou em qualquer outro lugar do mundo. Ele enfatiza: “Demorou 4 ou 5 anos para que eu tivesse esse mínimo de conhecimento empreendedor que tenho hoje. O maior perigo da falência da minha empresa era eu, já que no início eu brincava de ser empresário e o contador ficava desesperado comigo, porque eu usava a conta da empresa como se fosse uma conta física.” E também traz algumas dicas práticas, descritas abaixo em suas próprias palavras.

1) Faça contratos. Quando a gente é adolescente o mundo é muito bonito, no sentido da confiabilidade, mas no mundo dos negócios é uma coisa mais competitiva. Isso é, se algo der errado, seu colega não vai hesitar em te jogar do barco. É chato ter que pensar no pior dos mundos no início de um projeto, que é um momento de empolgação, mas é necessário.

2) Aprenda a mexer no excel e saiba o básico sobre educação financeira. Você tem que entender o que é um fluxo de caixa, saber tudo o que está entrando e tudo o que está saindo, se está no vermelho ou no verde. Tem que fazer todo final de mês.

3) Um caminho que também pode ser benéfico é investir em um curso de empreendedorismo ou de Administração. Isso vai te dar ferramentas para não precisar aprender do jeito mais difícil, como eu fiz.

ComicConRS

Carlos Ruas estará na ComicConRS , que ocorre nos dias 3 e 4 de setembro em Canoas, no campus Canoas da Universidade La Salle. Ele também estará, durante os dois dias do evento, com um espaço no artist's alley para venda dos seus livros e produtos derivados das suas tirinhas.

Sua expectativa para o evento é a melhor possível, já que não vem para a região Sul do país há muito tempo. “Estamos há mais de 2 anos trancados, sem muita interação social. Os eventos estão voltando com tudo agora, a Bienal aqui de São Paulo foi um sucesso, um poder de consumo que eu não via há muito tempo, apesar da crise econômica. Acho que isso ocorre porque as pessoas estão muito carentes de consumo literário e isso é ótimo para gente que é artista. Nós necessitávamos da volta dos eventos porque era a nossa principal fonte de renda para quem vive disso”, complementa o autor.

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