Monges alemães que somam mais de 100 livros publicados no Brasil dão palestra pela Editora Vozes no Unilasalle-RJ

Desde O céu começa em você, obra traduzida para 30 línguas com 20 edições no Brasil, Anselm Grün soma mais de 100 títulos publicados no país, com 2 milhões de exemplares vendidos. Doutor em Teologia, o monge beneditino veio ao Unilasalle-RJ na última terça-feira, dia 24, para lançar pela Editora Vozes a recente produção traduzida para o português: Trabalho e espiritualidade – Viver, não apenas nos fins de semana. O tema do livro, o trabalho como realização pessoal, motivou palestra no Centro de Convenções Irmão Amadeu, com abertura de Zacharias Heyes, monge na mesma abadia de Grün, a Abadia de Münsterschwarzach. Na ocasião, Heyes também lançava seu novo livro em português, Como encontrar Deus... e por que nem é necessário procurá-lo. Em entrevista exclusiva ao site do Unilasalle-RJ os monges falam sobre paz, justiça social, vocação, deixam recados aos brasileiros e propõem caminhos para a redução da violência no Rio de Janeiro, que no dia 20 de setembro fez nova vítima: a menina Ágatha Félix, de 8 anos.


A entrevista, com tradução de Markus Andre Hediger, foi acompanhada por Livia Ribeiro, coordenadora do Setor de Ação Comunitária – “ler que o amor é a única revolução é uma certeza e ouvir que nem é preciso procurar Deus porque Ele está aqui é um acalanto” – e pelo reitor do centro universitário, Irmão Jardelino Menegat, para quem “é uma alegria acolhê-los em nossa universidade. Tive o privilégio de ler vários livros e eles encantam, motivam a olharmos para dentro de nós mesmos e para o nosso trabalho. Grande contribuição para a sociedade de hoje encontrar-se com Deus”. Confira abaixo as perguntas e respostas na íntegra.


Unilasalle-RJ: A Rede La Salle, presente em cerca de 80 países, vive neste momento a Jornada Internacional Lassalista pela Paz, quando todas as instituições lassalistas são convidadas a desenvolver atividades que auxiliem na promoção da paz. O Unilasalle-RJ, de modo especial, organiza nesta semana o I Fórum de Cidadania e Garantia de Direitos. Livia Ribeiro, responsável pela nossa Ação Comunitária, falava ontem na abertura desse fórum que não há paz sem justiça social, algo pelo que lutamos por meio de variados projetos. Os senhores concordam com essa afirmação? Qual a importância de uma faculdade realizar eventos que buscam discutir e promover a paz?

Anselm Grün: O profeta Isaías (Is 32:17) diz que quem semeia a justiça colherá a paz. Eu dou muitos seminários para lideranças em empresas, executivos, e quando não há justiça em uma empresa as perdas são muito grandes também. Mas não existe uma justiça absoluta. Jesus falará: “Bem-aventurados aqueles que têm sede e fome e justiça” (Mt 5:6). Justiça social significa igualdade em termos de salário, oportunidades, bens, mas parte da justiça social também é a justiça entre as nações. Eu acho muito importante discutirmos temas como a paz porque nós só alcançaremos justiça se as pessoas encontrarem paz consigo mesmas. Quando uma pessoa não aceita a si mesma, quando ela está dividida em si, ela também dividirá a sociedade. Eu quero falar sobre três palavras. Em grego paz é eirene. Essa palavra aproveita a música e expressa a harmonia entre sons e tons diferentes. Quando estou em harmonia comigo mesmo, posso ter harmonia com as outras pessoas também. A palavra em latim para paz é pax, e essa palavra provém de conversa, de diálogo. A paz é criada e trabalhada quando dialogamos uns com os outros. E a palavra alemã para paz, frieden, tem a ver com amizade e liberdade. Paz só é possível onde eu trato as pessoas de forma amigável e onde eu sou livre. Então, o primeiro passo é a paz consigo mesmo. Existem pessoas em movimentos de paz quer querem a paz e trabalham para a paz, mas não semeiam paz porque não estão em paz consigo mesmas.


Zacharias Heyes: Eu concordo muito com essa afirmação de que justiça social é uma precondição para a paz. Em pessoas que sofrem injustiça, pessoas que se encontram no fundo da pirâmide, é muito fácil surgir sentimento de mágoa ou de ódio por aqueles que têm uma vida melhor. Isso pode gerar violência porque as pessoas, então, vão buscar obter através de meios violentos aquilo que precisam para a vida. Eu acredito que um dos primeiros passos é criarmos condições para que todos tenham o suficiente para viver, para aí sim gerar um sentimento de satisfação. Eu considero muito importante que esse tema seja discutido entre jovens adultos para que continue presente na mente. Eu mesmo cresci na década de 1980 na Alemanha e os movimentos de paz do final da Guerra Fria me marcaram muito. Na época eu jamais teria imaginado que o nosso mundo poderia estar nesse estado de desordem como está hoje. Por isso considero de uma importância fundamental que eu tenha respeito pela vida do outro. Eu não preciso gostar da outra pessoa, mas eu preciso conceder ao outro o direito de existir, assim como eu reclamo para mim esse mesmo direito. Nesse ponto eu concordo com o Irmão Anselm de que eu preciso aceitar a mim mesmo, do jeito que eu sou, para poder aceitar o outro.


Unilasalle-RJ: Nós estamos vivendo no Brasil momentos de muito atrito, em que palavras de ódio podem ser ouvidas como nunca antes. E a violência ceifa vidas. Na última semana tivemos mais uma vítima: uma menina de 8 anos indo para casa ao lado da mãe no Complexo do Alemão, conjunto de favelas do Rio. A Ágatha morreu com um tiro nas costas. O que devemos fazer enquanto cidadãos e seres humanos para tentar mudar essa realidade? Como efetivamente buscar a paz nesse contexto?

Anselm Grün: Para mim, em primeiro lugar, é muito importante que esse caso seja investigado, que a imprensa não deixe passar, que os cidadãos protestem, se unam em prol de um movimento da paz. Eu  tenho a impressão de que muitas injustiças passam impunes no Brasil e isso não favorece a justiça. Então, para gerar uma justiça de verdade é preciso que os criminosos sejam processados, que haja uma justiça que também puna. Porque quando a justiça não é estabelecida, principalmente as pessoas mais humildes perdem a coragem de se levantar, de protestar e de lutar pela paz.

Zacharias Heyes: Eu também acredito que seja muito importante que o povo se levante e levante a sua voz contra uma injustiça como essa. E aqueles que cometeram essa atrocidade, eles precisam sentir na pele, que não podem fazer tudo, que nem tudo vai passar impune. E a pergunta é: O que leva uma pessoa a usar uma arma tão poderosa contra uma criança totalmente indefesa? Como nos Estados Unidos também é necessário, nós precisamos adequar as nossas leis referentes a armas, para definir em quais circunstâncias quais armas podem ser usadas. Nós sabemos que violência gera violência, então nós precisamos dar um jeito de interromper esse ciclo. Para Max Horkheimer, um filósofo alemão, um dos princípios da justiça é que aquele que comete a injustiça não pode vencer sobre a vítima.


Unilasalle-RJ: Anselm Grün, em seu novo livro, o senhor aborda a profissão como um dom e o trabalho como uma realização pessoal. É interessante o senhor vir tratar desse tema hoje no Unilasalle-RJ pois esta é uma instituição em que os profissionais são movidos pelo amor ao que fazem, falam isso com frequência, e por uma missão, que vem do século XVII com São João Batista de La Salle. Quais são os frutos que o senhor observa da dedicação à profissão aliada a um sentimento que motiva o trabalhador a realizar suas atividades?

Anselm Grün: São dois frutos. O primeiro diz respeito ao indivíduo. Quando a pessoa se sente realizada no trabalho ela obviamente tem uma vida mais feliz e mais saudável. E existe, obviamente também, uma vantagem para a empresa, porque empresas com funcionários satisfeitos contam com maior desempenho. Mas o importante é que o amor não pode ser instrumentalizado. Então, quando uma empresa, como o Unilasalle-RJ, alimenta essa cultura do trabalho movido a amor, essa filosofia vai além dos muros da universidade. Isso tem efeitos muito maiores que alcançam toda a sociedade. E, assim, a universidade transmite a esperança de que a nossa sociedade não é só movida à violência, mas também pelo amor. Existe na Alemanha agora um movimento entre pequenas e médias empresas que querem substituir aquele dogma do work-life balance, o equilíbrio entre trabalho e vida, por uma nova filosofia, a do new work, na qual o próprio trabalho gera prazer.


Unilasalle-RJ: Os senhores possuem inúmeras obras publicadas no Brasil. O que acham que há de diferencial em seus escritos para conquistar tantos leitores por aqui?

Anselm Grün: Eu não moralizo, eu não quero doutrinar ninguém, eu quero encorajar as pessoas. E eu também não prometo um mundo perfeito, não ensino cinco passos como os livros de autoajuda norte-americanos, a partir dos quais você segue um certo método e tudo fica perfeito. Eu acredito que os meus leitores sentem o amor que eu invisto em meus livros, assim como os funcionários sentem o carinho pela universidade.

Zacharias Eyes: Hoje quando tomávamos café, uma fã reconheceu o Anselm, veio, nos abraçou, e eu falei: “Por isso que eu amo o Brasil”, essa espontaneidade. Um dos meus maiores desejos é mostrar para o leitor que Deus se alegra com as pessoas, ele se diverte com elas. A Igreja, muitas vezes, cria uma consciência pesada nas pessoas, dizendo que elas são pecaminosas. Mas Deus é um Deus que cria o ser humano, se alegra com a criação Dele e quer que a sua criação tenha uma vida feliz. É claro que nem sempre eu posso me sentir feliz na vida; por exemplo quando me falta o básico para viver, quando tenho fome. Mas aí é que entra a nossa responsabilidade pelo próximo, a nossa obrigação é ajudar para que cada um tenha o suficiente para viver e o suficiente para ser feliz.


Unilasalle-RJ: Deixem uma mensagem para os brasileiros.

Anselm Grün: Sejam gratos pela cordialidade e pelo amor que vocês têm e comuniquem à sociedade a esperança de justiça e paz.

Zacharias Heyes: Hoje fizemos um passeio pela cidade e vi como é linda a paisagem no Rio de Janeiro, eu acredito que o país todo seja lindo. E quando eu vi os jovens na rua, vendendo coisas e lutando pela sobrevivência, eu percebi que o povo brasileiro não é um povo que desiste fácil. Então eu quero pedir que os brasileiros continuem a lutar com muita coragem, muita esperança, sabendo que Deus está com vocês.


Por Luiza Gould / Tradução de Markus Andre Hediger

Fotos de João Loureiro

Ascom Unilasalle-RJ

Agradecimento: Editora Vozes

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