III ENCONTRO INTERNACIONAL DOS POVOS ORIGINÁRIOS DAS AMÉRICAS
Se no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2022, os povos tradicionais brasileiros (PCTs) foram tema da redação, no Unilasalle o protagonismo que lhes é devido vai além da sala de aula. A cada nova edição do encontro promovido pelas licenciaturas no segundo semestre, os povos originários, que integram os PCTs (a sigla abarca ainda ciganos, povos de terreiros, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, entre outros), são não só assunto como possuem espaço de fala. Na terceira edição do evento, entre os dias 24 e 28 de outubro, palestras e mesas redondas se somaram a oficinas, minicurso e a uma visita guiada ao Museu do Amanhã, pela exposição Amazônia, do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.
Originário remete à ancestralidade, mas não condiz encerrar no passado ou em estereótipos os mais de 305 povos indígenas que habitam esta terra (segundo o Censo de 2010). Eles estão nas aldeias, nas florestas, mas também em Brasília, na universidade, na casa da cidadania. “A luta indígena não é fácil, é tolhida de todas as formas por falta de espaço. E tudo o que conseguimos é na marra”, atestou uma das palestrantes convidadas, a Dra. Namara Gurupy, mulher da etnia guajajara e integrante da Ordem dos Advogados do Brasil-Niterói. Suas palavras no encontro representaram rompimento com um imaginário historicamente construído: “Minhas raízes estão na reserva, o meu povo está lá, mas eles não são os índios do livro; são pessoas, seres humanos, que sobrevivem. A caça está acabando, o rio está secando e precisamos despertar a consciência ambiental. Minha tribo tem cerca de 2.500 indígenas, falam guarani e o meu pai era o cacique. Foi um dos primeiros a ingressar nas Forças Armadas por meio do Marechal Rondon. Hoje temos professora, advogada, médica, mestres, doutorandos. Somos aldeados, integrados e em fase de integração”.
Ainda na noite do dia 24, os discentes puderam refletir a respeito da intolerância religiosa que os povos originários sofrem desde o período da colonização. Coube a Cris Papiõn, coordenadora do Observatório Cultural das Aldeias e ex-integrante do Conselho Estadual de Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa, assumir a temática. “É um assunto que começa em 1500, com a chegada dos europeus aqui, sem compreenderem que já havia populações indígenas com suas sociedades civis feitas em conjunto. Eles não compreendiam que cada pintura étnica é um povo, que cada cocar é um povo, que não eram etnias, mas sim nações indígenas”, defendeu.
Cris explicou ao longo de sua participação algumas das ações feitas em âmbito estadual e nacional para combater o preconceito e coibir crimes contra a população indígena, como o voto de cabresto em algumas aldeias do Norte. E também relembrou sua própria trajetória: “Minha militância começa na Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, que tinha todos os pertencimentos étnicos, exceto o indígena. Então, essa foi a primeira luta: conseguirmos o pertencimento do indígena. Tudo o que já foi construído eu lembro com muito carinho, portas que não imaginávamos e hoje estamos abrindo, como hoje estar dentro de uma faculdade para falar sobre esse assunto. Nós somos elos de ligação do passado, estamos no presente e salvamos o futuro”.
Nascida no Oiapoque-Amapá, Cris Papiõn retornou à sua terra natal em 2013 em busca das raízes indígenas. Thaynara Macuxi, por sua vez, não só resgata a sua própria história como agora está pronta para assumi-la. Graduanda de Pedagogia no Unilasalle, ela é neta de um indígena aldeado que migrou de Roraima para o Rio de Janeiro. Thaynara é parte do povo Macuxi, mas por muito tempo não quis assumir este sobrenome, por receio do preconceito. A participação remota no I Encontro Internacional dos Povos Originários representou um primeiro movimento no sentido contrário: “Lembro de pensar ‘Nossa, que legal, ninguém aqui caçoa do índio. Ninguém aqui fala mal do índio, muito pelo contrário’. E aquilo me chamou atenção”. Cursar a disciplina História e Cultura Afro Brasileira e Indígena, ministrada pela docente Cecilia Guimarães, significou se voltar de vez à identidade étnica que a constitui.
O que aprende neste processo a indígena urbana já passa de alguma forma adiante, em sala de aula, no município de Maricá. É também lá, terra de duas aldeias indígenas (Tekoa Ka’aguy Hovy Porã e Ara Owy Re), que Thaynara começa a se dar conta de um problema fundamental na educação básica. Apesar do Marco Regulatório da Constituição de 1988 assegurar às comunidades indígenas o uso da língua materna no ensino fundamental, na prática esse direito não é efetivado. “Há uma escola que adotou a alfabetização desde o 1° ano na língua portuguesa e outra que decidiu fazer isso a partir do 4°ano, para preservar a língua materna. Mas quando os alunos desta segunda escola vão para outros colégios a partir do 5° ano, eles sofrem com o racismo indígena. A exclusão parte até mesmo das próprias crianças, uma vez que esses espaços não indígenas não estão preparados para recebê-los. Infelizmente, por consequência dessas situações, há muita evasão escolar”, explicou a futura pedagoga, que ainda complementou:
“Nesse cenário, há as escolas que reproduzem e perpetuam os estereótipos, o racismo, o silenciamento e a banalização. Quando você não trabalha a história dos povos originários na escola, você fragiliza e minimiza a luta desses povos, histórica e contemporaneamente”.