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Seminário de Formação prepara os lassalistas remotamente para atuarem em projetos da Ação Comunitária em 2021

“Tem algo errado com o mundo”, atesta Cesar MC em Canção Infantil. Aludindo às cantigas de roda e aos contos, a música trata do que nem criança nem adulto deveria enfrentar: os tiros à queima-roupa (O bicho-papão existe, não ouse brincar lá fora / Pois cinco meninos foram passear / Sem droga, flagrante, desgraça nenhuma / A polícia engatilhou: Pá, pá, pá, pá); o racismo que mata e encarcera (Na ciranda, cirandinha, a sirene vem me enquadrar / Me mandando dar meia-volta sem ao menos me explicar); os abismos sociais (Mas lamento, velho, aqui a bela não fica com a fera / Também pudera, é cada um no seu espaço / Sapatos de cristal pisam em pés descalços). Os versos fortes foram dados a ouvir logo na chegada, às 8h de um sábado, quando mais de 60 pessoas entravam no Google Meet para participar do primeiro Seminário de Formação para Voluntários do Unilasalle em um ano e meio. Estava mais do que na hora de encontrar novas vidas dispostas a agir, a enfrentar o que poderia ser só fantasia, mas, infelizmente, é real (Diz por que descobertas são letais? / Os monstros se tornaram literais).

“Este é considerado um dos nossos eventos mais importantes do ano e já tem um ano inteiro que não fazíamos Seminário de Formação. É uma lacuna impreenchível, porque significa que não renovamos quadros, que seguramos os voluntários que tínhamos até o final de 2020”, explicou Lívia Ribeiro, coordenadora do Setor de Ação Comunitária (SEAC) e organizadora do evento. É a partir da formação que os lassalistas são preparados para transformar realidades. Pró-reitora Acadêmica do Unilasalle, a professora Regina Helena Giannotti fez menção a esse objetivo do encontro por meio de um dos versos de Cesar MC: “Nós, como instituição comunitária e confessional, não podemos dar às costas ao nosso entorno, ficar omissos. A dinâmica do nosso dia a dia, o sistema posto e a busca pela performance incansável nos tornaram pessoas mais indiferentes, menos preocupadas com o outro. Mas neste momento vocês pegam a caneta na mão, como diz a música (Deus escreve plano de paz, mas também nos dá a caneta), para começar a agir como propulsores da mudança. O que prioritariamente os trouxe até aqui certamente foi o incômodo. E esse é só o começo. Porque uma vez que você recebe a formação de voluntário e entende que precisa se preparar para ajudar alguém em situação de vulnerabilidade, nunca mais será indiferente”.

À esquerda, Lívia Ribeiro, coordenadora do Setor de Ação Comunitária; à direita a pró-reitora Acadêmica Regina Helena Giannotti

Deixar de ser indiferente foi justamente o que aconteceu com Regina em seu primeiro trabalho voluntário, junto a mulheres que sofriam violência doméstica. “Todas as vezes em que vejo qualquer notícia hoje relacionada à violência doméstica, eu me lembro de todos aqueles rostos, de todas aquelas mulheres que participavam de formação, caminho para libertá-las da condição de subserviência”, lembrou. Boa parte do Seminário teve como foco o relato de experiências. Parceiros da Ação Comunitária e voluntários com anos de prática foram chamados a plantar sementes.

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

Há 21 anos a psicóloga Elaine Holanda semeia a partir da sua atuação voluntária no Centro Juvenil Oratório Mamãe Margarida, obra de ação social salesiana, do qual é coordenadora. De seu relato sobre os dias passados no Bumba em busca “das nossas crianças”, os frequentadores do Oratório que lá moravam e foram atingidos pelo deslizamento de 2010, ao depoimento acerca das adversidades nesta pandemia, foram muitas as oportunidades de entender como o outro se torna parte integrante do “nós”. A constatação veio por parte de Lívia Ribeiro, que ao final de cada experiência compartilhada pelos convidados tirava lições sobre o voluntariado para transmitir aos lassalistas. “A primeira pessoa deixa de ser restrita ao singular à medida que vamos desempenhando ações voluntárias. Passa a ser o nosso time, a nossa comida, a nossa viagem, as nossas histórias. Como o coletivo vai ganhando espaço em nossas vidas...”, refletiu Lívia. A menção carinhosa à palavra “meninos” foi recorrente em uma das lembranças mais marcantes compartilhadas por Elaine na manhã do dia 17:

“Em 2015, eu fui para a Espanha com os meninos, após eles ganharem a Copa Ampla de Futebol nos pênaltis. Era um time sub 13, de meninos negros, morando em favelas, sem documentos. Começou a correria para fazer esses meninos viajarem, não era justo eles não irem. Escolhi levar os que eram mais levados, os que estavam expulsos da escola, e fui criticada por, supostamente, estar presenteando quem não merecia. Eu estava, na verdade, barganhando com eles, incentivando a mudança de postura. A aventura começou aqui, ao atravessarmos a ponte Rio-Niterói. Quatro dos meninos nunca tinham feito essa travessia, começaram a chorar, a se emocionar. Em 11 horas de voo eles fizeram do avião um playground e foram muito amados ali, pois estavam vestidos com camisas do Real Madrid, nosso patrocinador neste projeto. Muitos desses meninos não tinham nem cama em casa, e lá ficaram no hotel do Cristiano Ronaldo, do Marcelo, fizeram passeios turísticos, jogaram com outros jovens de quatro países da América Latina”.

Elaine Holanda conta a história da viagem com seus meninos à Espanha no livro O Jogo dos Sonhos, lançado em 2018 (Foto: Reprodução Facebook)

As experiências dialogam entre si. O Irmão Claudio Pereira da Silva, à frente da Pastoral do Unilasalle Lucas do Rio Verde, levantou a mão no Meet para partilhar a sua. “Eu trabalhei no Pará durante seis anos, em um colégio público lassalista localizado na favela, e me deparei com uma situação dessas. Em 2012, estive junto a alunos com quem ninguém queria trabalhar e investi no futebol. Também me questionaram, queriam saber o motivo de recompensar os piores, comprar camiseta, levar para campeonato. Mas esses farão a diferença a partir do nosso direcionamento; os bons já são bons, Jesus já dizia isso”, defendeu o Irmão, “Desse grupo eram 30 alunos. Tinha dias que os professores choravam para dar aula para eles. Depois, viraram a melhor turma do colégio durante quatro anos. Consegui recuperar muitos do tráfico, mas também perdi alguns”.


O voluntário pode mudar vidas, mas também tem a sua transformada, por meio de gestos simples e simbólicos. Dayvid Rosa integra há cinco anos a The Street Store São Gonçalo. O projeto parceiro do Unilasalle-RJ visa resgatar a dignidade de pessoas sem poder de compra, por meio da montagem de lojas para que os atendidos possam escolher vestuários e calçados doados ao grupo. No Seminário, Dayvid recordou uma de suas vivências em dia de ação: “Montamos a loja num evento de Natal e levamos mais de 3 mil peças de roupa. Uma moradora que vivia na região cedeu o banheiro da casa dela para que os voluntários pudessem utilizá-lo. Era uma casa extremamente humilde, toda de madeira remendada. O único lugar que tinha alvenaria era o banheiro. Mas, ao mesmo tempo, era de uma higiene, de um cuidado. Observei que tinha um pé de acerola no quintal e comentei com ela que fazia muito tempo que eu não via um, por morar na cidade. Eu adoro acerola. Já no fim da ação, veio uma criança me chamando para voltar à casa. Aquela senhora me entregou uma garrafa de 2 litros de suco de acerola. Pode parecer pouco para alguns, mas significou muito para mim, significou o carinho dela”. Para Lívia Ribeiro, a experiência é uma oportunidade de compreender o quanto o voluntariado é uma via de mão dupla. “Acreditamos que nós temos muito a oferecer. E temos. Mas, lá no fundo, e também no raso, somos nós que nos preenchemos do outro e somos surpreendidos por gestos talvez mais significativos do que os nossos”, constatou a coordenadora do SEAC.

Já a lição deixada pelo depoimento de Diana Rodriguez, integrante da TETO, é a necessidade de tempo e experiência para o amadurecimento do voluntário, quando entra em cena o conceito de práxis: o agir leva à reflexão antes de uma ação posterior. Apesar de ter apenas 20 anos, Diana já alcançou este estágio. Voluntária desde os 14, a estudante considera basilar a escuta antes de qualquer movimento. “A TETO é uma organização internacional que está em 18 países da América Latina e Caribe. Atuamos em prol de uma sociedade mais justa e sem pobreza, e partimos do trabalho em conjunto com a comunidade. Não chegamos em nenhuma comunidade apresentando soluções. Chegamos para ouvir. A partir dos problemas que nos são passados, construímos os projetos junto com os moradores”, esclarece, “Um dos nossos carros-chefes, e pelo qual somos muito conhecidos, é a construção das moradias emergenciais. Mas também temos a ECO, por exemplo, o projeto Escutando Comunidades. Nós passamos o fim de semana em imersão, batendo de casa em casa, de porta em porta, para entender do que eles precisam. Certa comunidade precisará de uma horta, mas nem todas vão precisar. Há comunidades mais próximas dos centros urbanos que possuem uma infraestrutura melhor, e, então, não é necessário nos preocuparmos com saneamento. A partir do momento que internalizei isso na TETO, passei a levar para todas as minhas atuações voluntárias: é a partir da troca que se desenvolvem as ações”.


Assim como Diana, Luiza Guedes conheceu o voluntariado ainda adolescente no Colégio Santo Inácio, onde foi aluna de Lívia. Luiza foi chamada a falar no Seminário por um motivo específico: a percepção de que é possível começar pequeno, desenvolver aos poucos um projeto próprio, mas é preciso experiência prática e formação. “O projeto em que estou envolvida agora é o Absorvidas. Lutamos pelo fim da pobreza menstrual, que consiste não só na falta de absorventes como também na falta de informações sobre o próprio corpo da mulher. O nosso objetivo é levar a dignidade menstrual para detentas, em unidades penitenciárias do Rio de Janeiro. O convite para começar a consolidar este projeto partiu de uma amiga, a Giullia Jaques, minha monitora em um curso de liderança do qual participei. A partir daí, desenvolvemos um plano de curto prazo e um plano de longo prazo”, contou Luiza.


A primeira meta do Absorvidas foi angariar R$ 30 mil em 30 dias (alcançados em 17), para comprar mil absorventes de pano e material de educação menstrual, com foco em mulheres cumprindo pena em uma penitenciária específica no Rio. A entrega e os encontros com as detentas devem ocorrer em breve. Passadas as fases de escuta para mapeamento das necessidades, levantamento de fundos, compra dos materiais, entrega, educação menstrual e adaptação ao absorvente de pano, terá início o plano a longo prazo, que contempla a produção dos absorventes pelas próprias detentas, destinados a outras penitenciárias cariocas. Para todas essas ideias nascerem e começarem a ser colocas em prática, a formação foi imprescindível. Tanto Giullia quanto Luiza participaram da Latin American Leadership Academy (LALA) em janeiro de 2020. “O curso teve início a partir de um olhar para o interior, para entendermos as nossas habilidades, o que podemos colocar em serviço. Depois, conhecemos projetos e pessoas que trabalham diretamente com impacto social, em ONGs e empresas. Compreendemos como associar as nossas profissões com os nossos propósitos de vida. Estive em contato com lideranças que são referência em impacto social e pude perceber o quanto não se começa lá no topo. Há todo um caminho no voluntariado e a escada está ali, nós também podemos subir”, concluiu Luiza Guedes, futura bacharel em Direito.

Às vezes, pode até parecer que os degraus acabaram. Então, é hora de construir novos. Assim surgiu o Velha Guarda, unindo ex-alunos do Colégio La Salle Abel que haviam sido integrantes da Pastoral da Juventude (Pajula) até o fim do Ensino Médio. Dois dos lassalistas que compõem este grupo também deixaram seus testemunhos à plateia virtual daquela manhã do dia 17 de abril. “A Lívia nos motiva a fazer trabalho voluntário desde o 8º ano. Quantas vezes já não voltamos de asilo totalmente derrotados pelos senhores na adedonha? Eles conhecem umas palavras que eu nunca imaginei... Quantas vezes voltamos de orfanato com a coluna estourada porque as crianças pedem para brincar de cavalinho? Tínhamos medo deste trabalho que fazíamos na Pajula sumir das nossas vidas quando entrássemos na faculdade. Por isso, em 2017, os meus veteranos deram a ideia de montarmos o Velha Guarda. Começamos as atividades em 2018 e em 2019 fomos reconhecidos pela Província”, recorda Renan Dias. Coube ao amigo João Barquette listar algumas realizações do grupo, como o apoio na reconstrução das instituições lassalistas em Moçambique afetadas pelo ciclone Idai, e a participação na recente campanha Páscoa Generosa 2021, da Escola La Salle RJ.

Renan (à esquerda) e João (à direita): integrantes do Velha Guarda, grupo que o Colégio La Salle Abel uniu

Também coube a João Barquette explicar o símbolo do grupo: “A tartaruga é marcante para todos que estudaram no Abel. Toda a criança quer ver as tartarugas no laguinho do Colégio. Além disso, anos depois de nascer, ela volta para a sua praia de origem para pôr os ovos”. “E ela tem uma vida longa”, completou Lívia Ribeiro, “Eu não espero menos dos ex-alunos lassalistas. Não dá para ser lassalista e não perceber o compromisso com a educação e com a vida dos mais pobres. São João Batista de La Salle já era cônego, ele já estava a serviço, mas decidiu dedicar seus esforços aos mais pobres, numa França em que eles não eram bem quistos. Essa é uma marca na identidade de vocês”.

Depois de tanta inspiração, nada melhor do que falar das oportunidades de prática voluntária neste ano de 2021 para os graduandos do Unilasalle-RJ. Tal missão fez Lívia convocar o seu time: Lara Bernardo, Gabriel Pequeno e Antonio Lucena, colaboradores do Setor de Ação Comunitária. Conheça abaixo em quais ações você pode se envolver.

Projetos da Ação Comunitária em 2021

REGRAS DE VOLUNTARIADO

Momento 1: inspiração. Momento 2: apresentação das oportunidades para agir. Momento 3: instrução para o serviço. Ao fim do Seminário de Formação 2021.1, o foco foi compartilhar regras de voluntariado, de maneira interativa. Quem estava no Meet pôde acessar o Kahoot! (plataforma de aprendizado baseada em jogos) para, em tempo real, avaliar como verdadeiras ou falsas 10 afirmações sobre a ação voluntária. Após a brincadeira, com direito a pódio, Lívia explicou cada uma das respostas.


Já passava das 13h quando o Seminário se encerrou, deixando no ar a certeza de que, se tem algo errado com o mundo, como canta Cesar MC, tem gente disposta a promover a mudança. Acesse o link de inscrição para participar dos projetos do Setor de Ação Comunitária:

  1. Quero ser um voluntário lassalista

Por Luiza Gould
Ascom Unilasalle-RJ

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