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Neste mês, 'Fossilizarte' traz evidências fósseis à Galeria e 'Transformações' resquícios do 'lixo' que vira arte

Uma, duas, três perfurações e, aos poucos, é revelado o que as camadas de gesso abrigam. Quando Alberto Lazzaroni e Robson Martins iniciam a escavação, em plena Galeria La Salle na abertura de Fossilizarte, a curiosidade aumenta a cada novo entalhe no bloco, cercado por olhares de expectativa. O sentimento, habitual a um paleontólogo, tinha teor de novidade para graduandos do Unilasalle-RJ naquela quarta-feira. Ao invés de esqueletos de vidas extintas, a descoberta é do legado destrutivo do próprio homem. “Que fóssil deixaremos para o futuro?” é a pergunta que a performance propõe e responde quando uma garrafa pet surge entre as lascas suspensas. O que iria para o lixo pode, no entanto, ter como fim a arte de Everaldo Oliveira que cria móveis e objetos decorativos a partir do jornal e do papelão. Ele assina a mostra Transformações, em cartaz até o próximo dia 30.


É assim, tecendo significados entre as exposições em cartaz, as anteriores (Sertões trazia fósseis com até 150 milhões de anos) e as futuras (vem aí o Encontro Sustentável), que a Galeria La Salle vive o mês de setembro. As novidades começaram com Fossilizarte, inaugurada no dia 11. A mostra traz ao público até 30 de outubro 25 xilogravuras em placas de gesso, com o contorno de ossadas um dia já existentes. A autoria é dos alunos de 1º e 2º anos do Ensino Médio, matriculados no CIEP 449 Governador Leonel de Moura Brizola Intercultural Brasil-França.

A ideia do projeto comandado pelo professor de Biologia Alberto Lazzaroni e pelo professor de Artes Robson Martins surgiu em 2017, após a criação do Clube de Ciências no Brasil-França. Em sala, são projetadas imagens de fósseis sobre placas de gesso. Divididos em duplas, os alunos contornam a forma, preenchendo com o lápis áreas que serão escavadas, para deixar em alto relevo a “ossada encontrada”. “O projeto Fossilizarte possibilita ao aluno vivenciar a experiência de ser um paleontólogo ao pesquisar as questões histórico-geográfico-geológicas, e, principalmente, no momento em que literalmente escavam a pedra, mesclando a ferramenta de corte e o pincel, afastando os resíduos que desvelam o ‘tesouro do passado’”, explica Robson Martins.



Os trabalhos são apresentados em congressos e feiras científicas, mas também já motivaram exposições, a primeira delas na Aliança Francesa de Niterói e a segunda no Instituto Cultural Germânico. Prova de que o intercâmbio entre Biologia e Arte vai além da confecção das xilogravuras. Para Martins trata-se de um diálogo não só possível como necessário, já que “ambos utilizam-se da criatividade, da imaginação, da curiosidade, da busca pelo novo”.

Tanto na opinião do professor quanto na de Angelina Accetta, coordenadora da Galeria, a mostra sobre o tema neste momento tem um relevante papel. Nas palavras de Angelina, a principal função da arte no meio social é promover a interação entre homem e sociedade e especificamente essa exposição significa “dar continuidade à reflexão ecológica-ambiental que iniciamos com Sertões, ressaltado a conscientização a respeito dos resíduos sólidos e seu impacto sobre a geologia do planeta”. Já Martins fala em uma “crise gritante a nível ambiental”, de forma que “é muito importante mostrar para a atual geração todo o caminho percorrido pela vida em nosso planeta para que possam entender que estudar o passado é acima de tudo entender o presente e nos prepararmos para o futuro”. A exposição integra a 13ª Primavera Brasileira de Museus, promovida pelo Instituto Brasileiro de Museus, o IBRAM, além de fazer parte do calendário da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABAMES), na semana de responsabilidade social.

Essa responsabilidade, por sinal, vai além do meio ambiente. Não à toa, na tarde do dia 11 a abertura contou com uma apresentação que levou às lágrimas o público. No palco da Acolhida 2019.2, 14 idosos com deficiência visual, integrantes da Oficina do Som, fizeram com que os presentes quisessem fechar os olhos para sentir as músicas. Simulando um programa de rádio, com direito à locutora que chamava os comerciais, os artistas apresentaram uma sucessão de sons criados a partir de instrumentos recicláveis, entre eles garrafas vazias. As notas que saíam da flauta, do tambor confeccionado manualmente e da voz envolveram o pátio do centro universitário, prendendo a atenção até o último número quando, em coro, os idosos cantavam: “Não vejo a luz do dia / Foi Deus que me fez assim / Eu tenho a minha família / Muitos amigos que gostam de mim / Por isso eu te faço bem / Eu nunca te farei o mal / Sou apenas diferente / Sou deficiente visual”.


“A apresentação levou o público a refletir sobre as ações que visam melhorar a qualidade de vida do outro, ou seja, ser solidário, além de incluí-lo no cotidiano de nossas vidas”, resume Angelina ao explicar a responsabilidade social.

Transformação de jornais, mas, principalmente, de vidas

A arte pode ser a ferramenta para a qualidade de vida a que se refere a coordenadora da Galeria La Salle. No caso de Everaldo Oliveira, ela o tirou de uma síndrome do pânico, fazendo do homem que não podia sair de casa, andar de ônibus, carro ou elevador, que não podia ficar no escuro ou em local com portas e janelas fechadas, um professor. Por três meses seu Everaldo “vegetou”, como diz, após a perda de sua filha, vítima de um atropelamento. A história foi contada no site do Unilasalle-RJ, já que o centro universitário sediou em 2017 a mostra “Tecitura em jornal”, reunindo trabalhos do artista.

Em “Transformações”, no entanto, o diferencial é a presença de criações também dos alunos de seu Everaldo. Soeli Francisco é uma delas e, assim como o mestre, fez da arte terapia: “Eu estava procurando algo para extravasar, porque estava muito para baixo. Fui para corte e costura, mas onde verdadeiramente me encontrei foi no jornal. Não precisei de terapeuta, nem nada, foi o jornal que me curou, graças a Deus e ao professor Everaldo”. Entre mesas, cadeiras, mandalas e luminárias expostas na Varanda Cultural, está uma simpática casa azul, com cadeira na varanda e sala de jantar completa, tudo feito à base de jornal por Soeli.


A primeira vez que sua amiga, Dalva Miranda, viu uma obra como essa, pensou em fugir. Para ela, as mãos ágeis de seu Everaldo fazendo rolinhos de jornal além de ensinar levaram ao aumento da autoestima. “No dia que eu cheguei e vi a mesa que o professor fez em pensei: ‘Meu Deus do céu, o que é isso? Como o jornal pode fazer coisas tão bonitas?’ Quando ele me mostrou o trabalho dele, achei impossível fazer. Eu disse mesmo, ‘Eu tô fora, vou embora’, mas ele dizia que eu iria fazer e foi me dando uma forcinha. Eu estou com 84 anos, mas graças a Deus e a essa criatura linda que está aqui já fiz uma porção de coisas bonitas”, avalia. Na noite do dia 17 de setembro, Dalva era só alegria ao lado de suas esculturas para orgulho de Everaldo Oliveira. “Elas foram alunas espetaculares, me surpreenderam. Fizeram o que passei e criaram novas peças, mostrando a importância da sustentabilidade. Isso não tem preço, não tem palavra para expressar”, conclui o mentor, que fez questão de preparar e trazer uma grande torta salgada para a inauguração. “Transformações” segue em cartaz também até o dia 30, mas deste mês de setembro.


Por Luiza Gould / Colaborou: João Loureiro

Fotos de Adriana Torres e João Loureiro

Ascom Unilasalle-RJ

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